DESENVOLVIMENTO INFANTIL NO OLHAR DA PSICANÁLISE

Vamos pensar em um bebê recém – nascido, que acabou de vir ao mundo, depois de nove meses envolto em um líquido morno, alimentado sem muito esforço, com seu corpo todo envolvido, que escutava sons difusos, solto no espaço, com os pulmões se abrindo no primeiro choro, sentindo fome, frio, ouvindo inúmeros ruídos. Encontra um seio com leite morno, uma mão que o acaricia, alguém que o livra de uma fralda desconfortável, que o põe para arrotar, que o embala quando está com sono. Nesse momento, não existe ainda a mamãe Maria, Joana ou Beatriz. Existe o desconforto que é sentido de forma difusa no corpo todo e como o bebê não tem a noção de temporalidade, também sente esse desconforto como se fosse último, sem hora para acabar. E em resposta a isso o alento, o prazer que vem do ambiente. Que em muitos
momentos é a mãe, mas pode vir a ser executado por qualquer um que se vincule e responda as demandas do pequenino.



É muito comum escutarmos pais, avos, irmãos conversando com os pequeninos. Para os que não convivem com crianças pode parecer estranho e muitas vezes desnecessário, mas não o é. Esse dialogo que dá nome as partes do corpo, as pessoas da família, que identifica as manifestações de choro, as feições do pequeno, que fala do cocô e do xixi são fundamentais para que os bebês vão se reconhecendo, se construindo,
se constituindo. Essa fala denota carinho, atenção e reconhecimento, dimensões fundamentais no cuidado de uma criança. 

Conforme esse bebezinho vai se desenvolvendo começa a reconhecer pela voz, pelo cheiro, pelo trejeito aqueles que o cercam e cuidam dele. Ainda não se reconhece como um corpo separado da mãe (função materna), mas já consegue ir interagindo mais com o mundo nessa descoberta. O bebê (e a criança) por um bom tempo não conseguem entender que a mamãe querida que o nina, alimenta e nutre nas inúmeras formas é também a mamãe que o frustra, diz não, não o atende imediatamente, e sente como se fossem pessoas separadas. Isso é saudável e faz parte do desenvolvimento, e é com o tempo que essas “diferentes pessoas” passam a ser vista como uma só pela criança. Para um desenvolvimento “saudável” a criança necessita desses duas referencias: a do alento e da frustração, mas é importante que esse alento que acalma e tranqüiliza tenha uma força e representação mais intensa no seu desenvolvimento para que o bebê se integre.

Muitas vezes os pequenos elegem um paninho, cobertor, bichinho de pelúcia como preferidos. Querem leva - los aonde for. Winnicott, um psicanalista, denominou-os de objetos transicionais. Esses objetos têm um papel importante para as crianças ajudando elas no seu processo de integração e de elaboração da angustia de separação.

Um momento bem marcante no desenvolvimento da criança é lá pelos 6, 8 meses, quando os pequenos começam a percebem que são separados de suas mães e começa haver uma percepção de que a mãe desaparece e os pequenos muitas vezes choram muito. Nessa época eles brincam muito de jogar os brinquedos no chão e pede que alcancem para ele, para depois jogarem de novo. Isso faz parte do processo de construção do pensamento abstrato e da elaboração desse “aparecer e desaparecer” das pessoas e das coisas. Aos poucos, vai se construindo a percepção de que essa mãe vai, mas volta. A rotina no cotidiano ajuda bastante nessa construção das idas e vindas e de como lidar com a ansiedade da espera.

É fundamental ter claro que o desenvolvimento humano não é uma linha reta, em muitos momentos há “regressões”, e isso é normal nesse desenvolvimento. Um exemplo bem comum é quando um bebê novo chega em casa e o irmãozinho mais velho começa a “regredir” em comportamentos que já haviam sido aprendidos, quer comer com ajuda, volta a fazer xixi nas calças quando o desfralde já havia ocorrido. Isso faz parte da criança lidar com os novos acontecimentos e com tempo e carinho ele entende que seu lugar na família não se perdeu e que tem suas vantagens ser grandinho. Muitas outras situações acabam por levar a “regressões” que demandam um olhar atencioso para todo o contexto da criança e do seu desenvolvimento.

Enfim, isso trata-se antes do desenvolvimento humano do que meramente infantil. Não existe o processo ideal. Cada criança é uma criança e o olhar sobre ela deve buscar entende-la no contexto familiar, cultural e social. As crianças tendem as espelhar o que as envolve e em muitos casos os “problemas” não são individuais. Como professores, dentro de uma sala, inevitavelmente lidamos com a integralidade desses pequenos seres, com aspectos que vão muito além do básico. Muitos autores da psicanálise se voltaram
para a infância e podem nos ajudar a amadurecer o nosso olhar sobre os pequenos: Melanie Klein, Winnicot, Bion são alguns deles.

KLEIN, Melanie. Sentimento de Solidão.

BLEICHMAR, Hugo. A psicanálise depois de Freud.

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