Texto das aulas sobre Wallon

Olá colegas! Segue abaixo o texto utilizado nas aulas sobre a teoria de Wallon ministrada pelo Noah e pela Andressa.

Um abraço e bons estudos!






Síntese didática do livro Henri Wallon – Uma concepção dialética de desenvolvimento infantil, de Izabel Galvão

Henri Wallon nasceu na França em 1879. Viveu toda sua vida em Paris, onde morreu, em 1962. O período em que Wallon viveu foi marcado por muita instabilidade social e política. Ele participou ativamente e sofreu influência dos acontecimentos de sua época: as duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), o avanço do fascismo no período entreguerras, as revoluções socialistas e as guerras para libertação das colônias na África. Estes fatos marcaram sua produção intelectual, inclusive no que diz respeito ao método que ele utilizaria para a sua ciência. Ao participar, a partir de 1931, de um grupo de intelectuais chamado Círculo da Rússia Nova, aprofunda seus conhecimentos sobre o materialismo histórico dialético, e adota este referencial como método de análise para sua Psicologia.
Estudou filosofia e medicina antes de dedicar-se à psicologia. Na medicina, atuou como médico em instituições psiquiátricas (Hospital de Bicêtre e no Hospital de Sapetriere) até 1931, e se dedicou a atender crianças com deficiências neurológicas e distúrbios de comportamento. Paralelo a sua carreira como médico e psiquiatra, seu interesse pela psicologia da criança cresce. Os conhecimentos nos campos da neurologia e psicopatologia, adquiridos na medicina, terão papel constitutivo na sua teoria psicológica. É possível observar, ao longo de sua carreira, uma relação progressivamente mais estreita com a educação, escrevendo diversos artigos sobre temas relacionados. Ele foi muito original ao afirmar que a pedagogia oferecia campo de observação à psicologia, além de questões para investigação. Por outro lado, a psicologia, através de seus estudos sobre o desenvolvimento infantil, ofereceria conhecimentos para pensar a prática pedagógica. Este pensamento sobre a contribuição mútua que a Pedagogia e a Psicologia poderiam oferecer uma a outra, foi uma de suas ideias mais originais, que repercutiram no modo de fazer destas ciências.
Sua psicologia é a psicologia genética, que estuda a gênese dos processos psíquicos. Partindo do mais simples em termos cronológicos, é uma psicologia concebida como conhecimento do adulto através da criança. Buscava, assim, compreender o adulto a partir de uma compreensão da criança. Mas, atenção: propõe que, ao invés de olhar a conduta da criança como um diminutivo da conduta do adulto, como um adulto em miniatura, como era o comum até então, tomar a própria criança como ponto de partida para este olhar, tentando compreender as manifestações da criança em seu ambiente, sem partir da prévia censura da lógica adulta. Usa a observação como método para estudar as crianças, mas sempre inseridas em seu contexto, lembrando que o meio não é estático ou homogêneo, e se transforma de acordo com as interações da criança com este.
 A infância é vista ao mesmo tempo como uma fase transitória, como vir-a-ser, e como uma fase que tem um sentido por si só. A partir dessa perspectiva é preciso articular esta dupla dimensão, da criança em processo de desenvolvimento, mas também da criança no momento atual. Também a terceira dimensão – a temporal – deve ser considerada, que é a história de vida prévia da criança, das situações que ela já viveu em contextos outros que o da escola.
No desenvolvimento humano verificam-se estágios diferenciados. Conforme a disponibilidade de cada idade, a criança interage mais com um ou mais aspectos de seu contexto, retirando dele os recursos para seu desenvolvimento. A duração de cada estágio e as idades a que correspondem variam, dependendo de características individuais e das condições de existência. O ritmo pelo qual os estágios se sucedem é descontínuo, não-linear, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas. Condutas de estágios anteriores podem permanecer nos momentos seguintes, configurando sobreposições. A passagem de um estágio a outro não é uma ampliação, mas uma reformulação. Conflitos resultantes das interações da criança com o meio agem como propulsores do desenvolvimento, onde se sucedem fases alternando predominância afetiva e cognitiva.
É possível notar o movimento pendular que a criança faz, alternando o foco ora no cognitivo, ora na afetividade. É o príncipio da alternância funcional, em que afetividade e cognição não são exteriores uma à outra, e quando uma reaparece incorpora as conquistas da outra, construindo-se reciprocamente, em um processo de integração e diferenciação. Assim no início de sua vida, devido ao seu estado de imperícia, a criança irá utilizar-se da emoção (gestos, choros, posturas) para conseguir o que precisa dos adultos, sendo que o foco é da afetividade. Já no momento seguinte, com a aquisição da marcha e da preensão, a criança volta-se para a exploração do mundo físico, entrando em um momento em que a cognição é o seu principal meio de conhecer.
Wallon propõe um estudo integrado do desenvolvimento humano, em que coexistiriam campos funcionais: movimento, emoções e inteligência. A atividade infantil estaria distribuída nesses campos, que aparecem pouco diferenciados no início do desenvolvimento, e aos poucos vão se distinguindo entre si. A pessoa é o todo que integra esses campos, e é, ao mesmo tempo, um campo funcional.
            A separação que se segue entre os campos funcionais foi realizada para fins  didáticos. Vale ressaltar que os campos têm uma relação de interdependência e são uma só coisa, que é a Pessoa.

MOVIMENTO

No campo do movimento, Wallon diferencia dois tipos: o instrumental, que é a ação direta no meio físico, e o expressivo, que é o campo das emoções, onde o deslocamento corporal não ocorre. A primeira função do movimento no desenvolvimento infantil é afetiva, através do movimento expressivo. Aqui, pode-se notar a relação entre os campos, no caso: movimento e afetividade. A partir do momento que a criança consegue caminhar e pegar nos objetos, uma maior diferenciação entre estes campos passa a ocorrer.
O ato motor também está ligado à inteligência. Esta noção fica clara quando estamos estudando ou lendo um livro em casa, por exemplo. Nestas situações é comum notar que mudar de posição ou caminhar um pouco, nos leva à reflexão. As origens motoras do ato mental ficam ainda mais claras ao observarmos o comportamento da criança. Ao reagir a um evento exterior, ela adota atitudes de acordo com as situações. A imitação, por exemplo, revela claramente as origens motoras do ato mental. Outro exemplo disso é a criança recorrer a um gesto para completar a expressão de seu pensamento. Ao perguntar para uma criança o tamanho de sua cama, ela irá dizer “Minha cama é assimmmm grande”, e afastará as mãos o máximo que conseguir, para expressar com o movimento a sua intenção mental. Wallon chama isso de mentalidade projetiva – ainda frágil, o ato mental projeta-se em atos motores.
No campo da educação, é importante para o os professores atentarem para as posturas corporais, os gestos, e o tônus da criança, pois a falta ou excesso de movimento são indicativos, e o educador pode compreender o que se passa com a criança pelo excesso ou falta de movimento. Outra questão é a concepção recorrente de movimento como algo negativo na escola, sinal de indisciplina. O autor pontua que é graças ao movimento que a criança pode aprender, e que o controle do movimento é algo custoso e gradual para a criança. A contenção do movimento não é pré-requisito da aprendizagem, mas também produto da mesma.

AFETIVIDADE

Como já foi dito no item sobre o estágio impulsivo-emocional, o estado de imperícia do bebê faz com que ele recorra à expressividade para mobilizar os outros. A primeira função da emoção é a socialização, é o primeiro recurso da criança em direção à aquisição da linguagem. Assim, a emoção é origem do ato intelectual. Quando adulto, a linguagem vira o principal meio social, mas as emoções continuam a ter o seu papel.
Para a prática pedagógica, é interessante notar o poder de contágio das emoções: isso pode significar, em sala de aula, “algazarra” generalizada, ou também ser usado pelo professor, ao contagiar os alunos com o conhecimento a ser transmitido.

INTELIGÊNCIA

Como já foi dito, a inteligência se constitui a partir das emoções, que é por onde se dá o acesso a linguagem. Esta representa uma mudança radical na maneira da criança se relacionar com o mundo, pois a partir da representação mental a criança pode operar objetos e situações concretas através de imagens e símbolos.
Wallon identifica o sincretismo como principal característica do pensamento infantil. O adjetivo sincrético caracteriza o caráter global e confuso do pensamento e percepção da criança. No pensamento sincrético, encontram-se misturados aspectos fundamentais, como sujeito e objeto pensado, os objetos entre si, os campos do conhecimento, tendo como característica a indiferenciação. No sincretismo, não há separação entre qualidade e coisa. Assim, quando uma criança discute com outra porque a mãe do amigo se chama Eliana e a sua própria mãe também se chama Eliana, é devido ao pensamento sincrético, porque para ele a mãe (coisa) não está separada da qualidade (Eliana), e a única mãe Eliana que pode existir é a dele.
No estágio categorial se intensificam as diferenciações necessárias para a redução do sincretismo. O pensamento categorial trata-se da capacidade de organizar a realidade em séries, classes, apoiadas sobre um fundo simbólico estável. No estágio categorial existe diferenciação entre qualidade e coisa. A função categorial permite a análise e a síntese, a generalização e a comparação. A cultura e a interação com os produtos da cultura permitem à criança atingir estados progressivos de diferenciação. Também o estágio do personalismo, em que a criança percebe-se diferenciada do outro, conteúdo que veremos no próximo item, auxilia para a passagem do pensamento sincrético ao categorial.

PESSOA

                É a unidade em si, onde se articulam os campos funcionais movimento, inteligência, emoção. No início da vida, a criança percebe-se fundida no outro, sendo que o estado de socialização está em seu grau máximo nesse período. A criança é tão socializada que nem se percebe diferenciada do outro, e depois entra em um processo gradual de individuação.
            Neste processo de se individuar, a criança executa um movimento pendular, entre a imitação e a expulsão. A imitação é onde a criança alarga as fronteiras do eu, e a expulsão é o movimento de oposição ao outro. Este último é evidente no estágio em que a criança nega o outro, recusa ajuda, briga pela posse de objetos, para diferenciar-se e estabelecer seu eu. Também na adolescência esse movimento de expulsão pode ser observado, uma oposição de caráter já mais intelectual, na tentativa de diferenciar-se do adulto.
            Se for possível delinear uma escala para o desenvolvimento máximo da pessoa, esta seria o maior nível de diferenciação entre o eu e o outro, embora esta diferenciação nunca, mesmo no adulto, será completa.

            EDUCAÇÃO DA PESSOA COMPLETA

            A teoria walloniana suscita uma prática pedagógica que atenda as necessidades da criança nos planos afetivo, cognitivo e motor. Ao contrário do que propõe a teoria intelectualista do ensino, o desenvolvimento da inteligência não é o foco para Wallon, e sim caminho para a meta maior do desenvolvimento.
            A importância do meio para o desenvolvimento infantil é grande na teoria de Wallon. O meio é o campo social onde a criança aplica os recursos dos quais dispõe, e retira dele recursos para sua ação. Assim, percebe-se a importância de pensar o ambiente de sala de aula nessa teoria, em termos do papel que este pode trazer ao desenvolvimento infantil. Deve-se refletir sobre o espaço em que as atividades na escola serão realizadas, considerando aspectos como área ocupada, materiais utilizados, objetos ao alcance das crianças, disposição do mobiliário, etc.
            Uma concepção recorrente no meio educacional é de que a criança é resultado linear do seu meio familiar. Assim, é comum pensar que a criança que vem de uma família “desestruturada”, “não tem jeito”. É evidente que o contexto familiar influi, mas o meio escolar cria novas oportunidades de valores e relações para a criança, possibilitando outros contextos e lugares diferenciados para a criança ocupar.
Referências Biliográficas:  Galvão, Isabel. Henri Wallon – Uma Concepção Dialética do Desenvolvimento Infantil. 19a Ed. Petrópolis: Vozes, 2010. 

Um comentário:

  1. Achei muito útil e persistente o texto envolta da teoria de Wallon. Assisti ao documentário da doutora Izabel Galvão e pude entender melhor as fases de estágio para a complementação da criança. A partir deste texto e desta aula no vídeo, poderei intercambiar as teorias voltadas para o desenvolvimento infantil.
    Marcelo Teixeira

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